Por um pedaço de pão

Os sonhos da velha Mulembeira

Estou triste, minha filha. Népia que tinha adormecido encostada à velha Molumbeira, acordou.

Triste, mamã Mulembeira! Mas hoje foi um dia tão bonito.  Viste aquelas crianças? Viste como elas chegaram cedo com as suas marmitas, e se juntaram, felizes e como saltavam de alegria, os de Mupanda com os de Muhaha, os de Nonthanda com os Muholo e aqueles meninos que vinham do lado das pedreiras. E os velhinhos que chegaram encostados aos seus paus. Viste aqueles olhos felizes?

E aquelas mamãs que à volta dos panelões de arroz e de peixe nos preparavam a comida tão saborosa que raramente comemos. Como estavam felizes!

Mamã Mulumbeira, como podes estar triste? Não vês, minha filha, que estou velha e cansada. A copa das minhas folhas já não dá sombra para tanta gente. Viste como eram tantos, mais de 700 e eu já não posso abraçar a todos.

Tu já não te lembras como tudo começou. Foi só um pedacinho de pão que uma Madre deu a uma criança com fome. Creio que se chamava Ndinga. Era o fim de semana. E cada fim de semana a Madre aparecia e mais crianças esperavam um pedacinho de pão. E eram cada vez mais e a Madre teve uma ideia.

Vamos criar uma cozinha comunitária. E eu fiquei feliz por poder acolher tanta criança, tanto velhinho, que todos os sábados se sentavam à sombra dos meus ramos.

Mas já não dá, estou velha e cansada. A minha sombra já só abriga alguns. Uma destas noites sonhei que temos de inventar outra forma de matar a fome a tanta gente. No sonho vi uma grande casa aberta todos os dias, onde muitas crianças, muitos velhinhos, muitos doentes, com uma escola para ti e teus amigos e um lar para os mais velhos. Parecia um lugar muito bonito onde todos eram felizes e ninguém passava fome.

Que achas Népia? São bonitos os sonhos! Mas são sonhos. Népia ficou pensativa e teve uma ideia. Vou falar à Madre a ver o que ela diz. Estes dias bonitos não podem acabar, mesmo que os teus ramos não possam acolher toda a gente. Creio que as Madres, que são boas e amigas não nos vão abandonar. Que bom seria Népia, suspirou a velha Molumbeira. Como eu seria feliz se este meu sonho se tornasse realidade.

Se isto já fosse realidade, desabafou Népia, muitas coisas seriam diferentes. Lembras-te do senhor Calapo que mora numa aldeia vizinha? No primeiro dia deste ano, as Madres planearam dar um passeio a um senhor Padre que às vezes nos visita. Mas pouco antes de saírem, pelas 15 horas, um telefonema para a Madre alterou todos os planos. O senhor Calapo, com a voz embargada telefonou a pedir ajuda. E foi a correr que a carrinha das Madres se dirigiu ao pobre casebre onde jazia o senhor Calapo. O ambiente era de desgraça. Ali estava ele, deitado e coberto da cabeça aos pés, como à espera da morte.

Onde está a ambulância? – perguntou a Madre. Estava parada na sede da povoação. Mas não saía sem as devidas licenças e tinham de trazer o corpo, porque a ambulância não vai à casa dos pobres. E o sol escondeu-se e era noite cerrada. Mas, é preciso salvar este homem, dizia a Madre. E foi a carrinha das Madres que levou, já noite, o senhor Calapo até ao hospital da cidade. E lá ficou muito mal, mas muito bem assistido. As Madres regressaram já depois das 22 horas, felizes, por terem salvo uma vida. E pensavam como teria sido tudo diferente, se o sonho da velha Mulembeira já fosse realidade.

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