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O dia em que o Batismo mudou para sempre a vida da Irmã Wilson

Foto: Duarte Gomes

Há dias celebraram-se os 150 anos da conversão da Irmã Wilson à Igreja Católica. Um dia importante, sem dúvida. Mas talvez mais importante foi o dia do seu batismo, a 11 de maio de 1873. Faz hoje precisamente 150 anos. Foi sobre esse dia e não só, que via e-mail trocamos perguntas e respostas com a Irmã Ana de Freitas Marques da Silva, atual Superiora Provincial da Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, fundada precisamente pela Irmã Wilson. Declarada Venerável a 9 de outubro de 2013, pelo Papa Francisco, reza-se agora para que, por sua intercessão, surja um milagre a fim de que a Igreja reconheça a sua Beatificação e outro para ser declarada santa para todo o mundo.

Jornal da Madeira –  Depois da adesão à Igreja Católica, a Irmã Wilson vive um período prolongado de vida interior. Foi nessa altura que se começa a interrogar sobre o que queria dela o Senhor?

Irmã Ana Marques –  Sim. Realmente, após o longo período de procura da verdade, que teve o seu ponto alto ou términos na noite de 29 para 30 de abril de 1873, passada em oração agarrando entre as mãos a pequena imagem da Senhora das Vitórias, a receção do batismo sob condição na Igreja Católica e ter comungado pela 1ª vez, a 11 de maio, na Igreja de Santo Afonso, ter recebido o sacramento da confirmação no dia 8 de junho seguinte, em Boulongne-sur-Mer,  França, Mary Jane Wilson, não cruza os braços, dando por atingida a sua maturidade cristã. Como mulher adulta, formada, inteligente, consciente e responsável, percebe que a Fé católica é Dom, mas, é também o que, hoje, dizemos, tarefa. Assim, a par dos tempos de grande ferver religioso que se seguiram, Mary Wilson, continuou a instruir-se adquirindo grande número de livros, enciclopédias e obras de grande vulto com que alimenta e aprofunda a sua fé católica. Por momentos transitórios, integrou-se em algumas associações piedosas da época. Mas, sentindo sempre crescer, dentro de si, o desejo de descobrir para realizar a vontade de Deus a seu respeito. Mary Wilson faz-se peregrina e visita vários santuários como Lurdes, Roma, Assis e Terra Santa. A realização destas experiências foi-lhe fortalecendo, cada vez mais, o desejo de fazer todo o bem que lhe fosse possível.

AO CHEGAR À MADEIRA MARY WILSON “CRIA CENTROS DE CATEQUESE PARA AS NUMEROSAS CRIANÇAS QUE ERAM O ROSTO DE UMA SOCIEDADE SOFREDORA A TODOS OS NÍVEIS COM FALTA DE ESCOLAS, SAÚDE, SUBNUTRIÇÃO, ORFANDADE E MENDICIDADE”.

Jornal da Madeira – Chegou à Madeira como enfermeira, mas depressa percebeu que não era só esse o seu papel. É então que nasce a Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias…

Irmã Ana Marques – Na realidade, Mary Wilson, chegou à Madeira, como enfermeira, no dia 26 de maio de 1881. Tinha então 40 anos de idade e 8 de convertida. Como podemos imaginar, e, sobretudo, tendo em conta a alegria de ter encontrado a verdade e a unidade que procurava, Mary Wilson, vive uma experiência de vida interior tão forte, que lhe faz despertar uma grande generosidade e disponibilidade para o serviço em prol da causa do Reino. O que sabemos é que, a partir de então, acompanhou-a a tal, inquietante, pergunta que fazer? Que queres de mim, Senhor? Certamente que esta inquietação fez parte da sua bagagem e, como não podia deixar de ser, ao chegar à Madeira, como contemplativa que era, é sensível à beleza natural da Ilha, mas, simultaneamente, se apercebe da pobreza material, cultural e espiritual dos seus habitantes. Segundo a história, face a este quadro desolador, Mary Wilson, como enfermeira e recém-convertida, logo se torna apostola pela palavra e pela ação. Aos poucos, a começar pela sua residência, no Torreão, Funchal, até ao Livramento, cria centros de catequese para as numerosas crianças que eram o rosto de uma sociedade sofredora a todos os níveis com falta de escolas, saúde, subnutrição, orfandade e mendicidade.

Jornal da Madeira – Mas não se ficou por aí…

Irmã Ana Marques – Não. Para além dos centros de catequese onde ministrava também formação humana, abre um colégio a pedido do senhor Bispo, D. Manuel Agostinho Barreto, e à sombra das rendas do Colégio cria o Orfanato de Santa Isabel, para ajudar as crianças mais pobres. Com a ajuda da comunidade inglesa institui o Dispensário de S. Jorge e a Botica do mesmo nome, para socorrer os doentes pobres, onde aí proporcionava consultas, medicamentos e até internamentos. Face ao avolumar do trabalho e a sua dificuldade na língua portuguesa, Mary Wilson vai pedir uma colaboradora ao Hospício D. Amélia, que estava sob a direção das Irmãs de S. Vicente de Paulo, e foi-lhe cedida a Jovem Maria Amélia de Sá que a ajuda e, após algum tempo, Mary Wilson percebe que não bastava só fazer coisas era importante partilhar o ideal que acalentava, havia já algum tempo. Intuindo ser vontade de Deus, a 15 de janeiro de 1884, escreve na sua agenda: “Amélia Amaro de Sá (Irmã Maria Elizabete) e Irmã Maria de S. Francisco Wilson se juntaram para fundar a Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias.

Jornal da Madeira – Ainda sentiram alguma resistência a esta criação, mesmo por parte da Igreja?

Irmã Ana Marques – Sim, em todos os tempos, fazer nascer algo de novo, neste caso uma instituição religiosa, exige a capacidade de enfrentar algumas dificuldades. O facto de muito em breve, se juntarem ao mesmo ideal outras colaborados torna-se necessário preparar as novas vocacionadas em ordem à vivência da Vida Religiosa e a resposta a dar às lides sócio apostólicas, que cedo começam a surgir em Santa Cruz, concretamente com a reconstrução do Hospital e o cuidado dos doentes. Entretanto a nova Congregação precisava de ser reconhecida quer pela autoridade eclesiástica, quer pelo Governo. Dos dois lados, havia recomendações não favoráveis à aprovação de novos institutos. Perante esta realidade adversa, surge a ideia de unir a Congregação nascente a outra já aprovada, também franciscana e de carisma semelhante, as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas, fundadas em 1871, no continente, pela Irmã Maria Clara do Menino Jesus. Esta devia enviar Irmãs para o Hospital de Santa Cruz, enquanto as que lá estavam iam a Lisboa fazer a sua formação. Acontece que alguns contatos foram estabelecidos entre o Pe. Prévou, vicentino, delegado do senhor Bispo, e a Irmã Maria Clara do Menino Jesus, Superiora Geral e Fundadora das Irmãs Hospitaleiras, mas logo surgiram vários entraves que não facilitaram a fusão destas duas famílias religiosas. Entretanto, em 1895, o senhor Bispo resolve avançar com a fundação da Congregação, mesmo sem a aprovação civil.

“MARY WILSON PERCEBE QUE NÃO BASTAVA SÓ FAZER COISAS ERA IMPORTANTE PARTILHAR O IDEAL QUE ACALENTAVA, HAVIA JÁ ALGUM TEMPO”

Jornal da Madeira – Mas tudo acabou por se compor e começa um trabalho que ainda hoje é realizado na Madeira, mas que ‘viajou’ para outros cantos do mundo. Estamos a falar de escolas, casas de pobres e ajuda na saúde, com o combate a duas epidemias.

Irmã Ana Marques – Sim, após um período de certa hesitação, algumas dificuldades foram-se resolvendo e a Irmã Wilson começou a organizar a sua vida interna, a elaborar estruturas e orientações e a pensar no seu próprio desenvolvimento. Assim começou a consolidação e a expansão da Fundação da Congregação na Madeira, dando uma atenção especial à Formação das candidatas, à elaboração dos Estatutos, a abertura de uma série de Escolas (Santana, Porto Moniz, Santo da Serra, Machico, Arco de S. Jorge, Curral das Freiras e Câmara de Lobos) e a direção de casas de pobres (Recolhimento do Bom Jesus da Ribeira e a casa dos Pobres ou Asilo da Mendicidade). 

Jornal da Madeira – Hoje as Irmãs Vitorianas continuam a ser uma referência sobretudo no campo do Ensino e da Solidariedade Social. Quantos e quais os estabelecimentos que estão debaixo da vossa alçada?

Irmã Ana Marques – Com o decorrer do tempo e as mudanças socioculturais, numa linha de fidelidade ao Carisma, por nós herdado da Irmã Wilson, foram-se fechando e ou abrindo outras obras de bem fazer em benefício dos mais necessitados de cada tempo e lugar, onde, nos encontramos; presentemente, na Madeira, das escolas abertas no tempo da Irmã Wilson, está apenas ativa a Escola de Sant’Ana, Machico; na continuação do Carisma a nível da educação somos a entidade patronal da Escola Nossa Senhora da Conceição, Porto Santo, Santo Condestável, Camacha, S. João da Ribeira e no Colégio de Santa Teresinha, Funchal, tentando implementar uma educação integral a exemplo da Irmã Wilson. Na linha da Solidariedade Social, estão sob a nossa alçada o Lar Vila Assunção, para idosos e doentes, e a Fundação Patronato de Nossa Senhora das Dores, S. Filipe, para crianças e jovens, Funchal.

Jornal da Madeira – Também já houve necessidade de encerrar alguns, devido à falta de Irmãs e à idade de muitas. Isto remete-nos para a necessidade de cada vez mais rezarmos pelas vocações…

Irmã Ana Marques – Sim, fruto dum discernimento que, de vez em quando, é conveniente fazer aos novos sinais de cada tempo, tem-se evidenciado a necessidade de interromper ou encerrar mesmo alguns estabelecimentos de ensino, pelas razões mais variadas. Entre outras, suficientemente claras aos nossos olhos, está de facto também a diminuição do número de crianças e a falta de vocações, particularmente, em toda a europa. Hoje, como outrora, no tempo de Jesus, “a messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande operários para a Sua messe” (Mt 9,37). Torna-se urgente acolher e responder ao convite de Jesus.

“APROVEITO A OPORTUNIDADE PARA LEMBRAR A TODAS AS PESSOAS QUE PEÇAM A DEUS AS SUAS GRAÇAS, POR INTERMÉDIO DA VENERÁVEL IRMÃ WILSON, NOSSA QUERIDA FUNDADORA”.

Jornal da Madeira – Hoje também se reza pela Beatificação e Canonização da Irmã Wilson. Como está esse processo?

Irmã Ana Marques – Como sabemos, a caminhada de Santidade é, na Igreja Católica, um processo longo e não muito fácil.

De modo geral, o processo tem início na Diocese onde a pessoa viveu e depois de concluído segue para o Dicastério para a Causa dos Santos, em Roma, onde decorre o complexo trâmite que leva à canonização dos santos, passando pela declaração das virtudes heroicas (reconhecimento do estatuto de venerável) e pela beatificação. Para a etapa de beatificação e da canonização é necessário um milagre.

No caso da Irmã Wilson, o seu processo de Canonização iniciou-se a 18 de outubro de 1991 e encerrou-se a 30 de abril de 1993, aqui, na Diocese do Funchal, em cerimónia presidida pelo senhor Bispo, D. Teodoro de Faria; de seguida, foi enviado para a Causa dos santos para ser estudado e, graças a Deus, a 9 de outubro de 2013, o Papa Francisco assinou o Decreto que reconhece as Virtudes heroicas e proclama Venerável a Irmã Maria de S. Francisco Wilson. Desde então, é nosso dever continuar a dar a conhecer, a todo o povo de Deus, a sua vida, obra e missão e rezar para que, por sua intercessão, surja um milagre para que a Igreja reconheça a sua Beatificação e outro para ser declarada santa para todo o mundo. Aproveito a oportunidade para lembrar a todas as pessoas que peçam a Deus as suas graças, por intermédio da venerável Irmã Wilson, nossa querida Fundadora.

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